terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Sobre reciclagem



Ezio Manzini – especialista em design sustentável

O professor italiano Ezio Manzini é um homem preocupado com o mito de que a reciclagem pode resolver muitos dos problemas do mundo moderno. “Para viver melhor, consuma menos”, ele costuma dizer.

Como diretor de pesquisa em design e inovação para sustentabilidade do Instituto Politécnico de Milão, o especialista Ezio Manzini passou duas semanas no Rio dando aulas na Coordenação dos Programas de Pós-Graduação de Engenharia da UFRJ (Coppe).

1. Quando a discussão sobre a sustentabilidade despertou seu interesse?
No início, nós, designers, pensávamos em redesenhar produtos e adaptá-los sob o ponto de vista ambiental. Embora eles tenham ficado mais eficientes, o consumo aumentou. O relógio que uso é melhor do que o do meu pai. Mas ele usou um relógio a vida inteira, enquanto eu não sei quantos já tive. Nem todos os passos do ecodesign são um passo à frente para a sustentabilidade.

2. Como o design pode ajudar a promover o desenvolvimento sustentável?
A noção de design sofreu mudanças. Hoje se busca unir a tecnologia com a cultura em busca de soluções para que o mundo funcione melhor. Se você quiser tornar a ocupação dos carros mais eficiente, isso é um assunto para o design estratégico. Consideramos o sistema e não apenas o produto.

3. Até que ponto a reciclagem de produtos é eficiente para a sustentabilidade?
Claro que temos de reciclar, mas isso tem permitido equívocos. “Não se preocupe, consuma porque temos condições de recuperar e recriar tudo.” Isso é impossível. Meu slogan é: “Para viver melhor, consuma menos”.

4. Que outras mudanças a sustentabilidade pede?
Ela depende de transformações radicais nos padrões não sustentáveis. Por exemplo, melhorar a eficiência dos carros custa caro. Cerca de 90% deles leva apenas um passageiro. Se levar dois, o problema diminui pela metade. É simples, mas também complexo, porque não se muda um hábito com facilidade. Trata-se de uma discussão tão importante quanto falar em hidrogênio como combustível alternativo.

5. A discussão sobre a sustentabilidade está muito atrasada no Brasil?
Não só aqui. Na Itália, onde moro, a mentalidade dominante é a da sociedade de consumo dos anos 60. Como você pode mudar o mundo se seu modelo de referência se tornou tão ultrapassado?

6. Quais os maiores mal-entendidos que se cometem em nome da sustentabilidade?
Algumas pessoas pensam, até com boa vontade, que usar produtos que reduzam o impacto ambiental representa um enorme passo para a sustentabilidade. Quando entendem que a mudança deve ser maior, ter âmbito global, dizem que é radical demais para ser executada imediatamente.

7. E não é verdade?
Isso é mais fácil do que gastar milhões em pesquisas tecnológicas. Por que não ter casas vizinhas com serviços em comum em vez de esperar por uma nova geração de eletrodomésticos que controlará tudo e, no fim, reduzirá o consumo de energia em apenas 2%? Não é fácil fazer mudanças sistêmicas.

8. Quais são os maiores entraves para a adoção de uma política sustentável?
Algumas vezes, falta vontade. Em outras, faltam incentivos. Vou usar o exemplo do carro: quem circulasse com duas ou mais pessoas teria estacionamento gratuito. Há mais um argumento que ouço: viveríamos uma crise econômica, e esse não seria o momento para uma política sustentável. Discordo. É mais fácil mudar na crise do que quando as máquinas estão a pleno vapor.

9. Encontrou bons exemplos de sustentabilidade no Rio?

Sim. A Rede Ecológica (grupos de consumidores que se reúnem para comprar alimentos, geralmente orgânicos, diretamente de pequenos produtores rurais, diminuindo o desperdício) é uma idéia simples, que dá certo e pode ser reproduzida em qualquer lugar do mundo.

10. Como se passa de uma experiência dessas para uma inovação em maior escala?
A maior dificuldade é o número limitado de heróis que temos, pois esses projetos são levados adiante por pessoas enérgicas e criativas, dispostas a mudar o mundo. Ainda assim, essas propostas podem amadurecer no futuro. E tudo fica mais fácil quando não se começa do zero.

Fonte: Revista Veja RJ – 12/09/2007

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